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Duas notas sobre o socialismo *

Ruy Mauro Marini
A crise em que o movimento socialista ingressou desde meados da década passada, especialmente no Ocidente, pode ser objeto de duas considerações. A primeira consiste em não perder de vista que essa crise é parte de um processo teórico e prático no qual se articulam os distintos movimentos que, no plano das idéias e da luta social e política, realizaram a crítica do capitalismo como modo de organização da vida social. De Sismondi à esquerda ricardiana, de Owen a Marx, de Kautski e Hilferding a Lenin, Rosa Luxemburgo, Trotski e Gramsci, a teoria socialista revelou os fundamentos da economia capitalista e da sociedade burguesa; evidenciou a perversidade estrutural e a expropriação do trabalho social que elas propiciam, e armou ideologicamente os povos que contra elas lutaram.
Têm sido muitos esses povos, desde os operários parisienses de 1871 e os destacamentos operários-camponeses da Rússia até as massas espoliadas da China, Cuba, Vietnã, Angola, Nicarágua. Mais de um terço da humanidade optou, em seu momento, pela recusa ao capitalismo e em favor do desenvolvimento social orientado para a supressão das desigualdades de classe e para a implantação de uma democracia radical de massas. Sob essas bandeiras, e ainda suportando o isolamento e as agressões
internacionais, partindo de um atraso econômico e social sem paralelo entre as potências ocidentais, a União Soviética conquistou, em pouco mais de trinta anos, uma posição destacada no cenário mundial. Em todos os países que tomaram esse rumo, as necessidades básicas da população em matéria de educação, saúde e alimentação se viram satisfeitas e acabaram as agruras e o desemprego.
Portanto, não é fácil apagar o socialismo da memória dos povos e muito menos convencer a imensa maioria da humanidade, para a qual a solução dessas questões aparentemente elementares ainda continua pendente, de que o socialismo foi somente um equívoco dos que não haviam compreendido que a história acabou. Para esta humanidade explorada e carente, a história nem sequer começou. O camponês do Nordeste do Brasil tenta ingressar nela todos os dias, amontoando-se em paus-de-arara que o conduzem às regiões mais prósperas do Sul, para descobrir, nas favelas do Rio de Janeiro ou de São Paulo, que continuam lhe negando a entrada.
A segunda consideração referente ao que se passou com o socialismo implica perguntar se a crise do chamado “socialismo real” ou, mais precisamente, europeu, invalida e encerra essa busca de formas superiores de organização social, a que assistimos há quase dois séculos, ou apenas representa mais um desses momentos de autocrítica radical que marcam a história do socialismo e dos quais este ressurgiu com uma criatividade renovada. Foi assim após a derrota da Comuna de Paris e a dissolução da Associação Internacional de Trabalhadoresque, em pouco tempo, foram seguidos pela difusão do socialismo na Europa e a fundação da Segunda Internacional. Foi assim quando, face aos acontecimentos da Primeira Guerra Mundial e a divisão da Segunda Internacional, se assistiu à primeira revolução socialista vitoriosa na Europa e à criação da Internacional Comunista. Foi assim depois de Ialta, quando, insurgindo-se contra os limites que lhes foram impostos pelo compromisso estabelecido entre Estados Unidos e União Soviética, os iugoslavos e os chineses proclamaram seu direito à revolução socialista. Foi assim na América Latina, até que o povo cubano rompesse com supostas improbabilidades teóricas e geográficas e, em todo o mundo, até que o Vietnã apontasse com o dedo a nudez do imperialismo.
É porque sabia disso que Marx pôde comparar a revolução socialista com a toupeira, que passa boa parte de sua vida trabalhando as entranhas da terra. É por isso, também, que, em períodos como este, ele afiava a arma de sua crítica, dedicando-se à sua principal obra, ao mesmo tempo que se comprometia inteiramente com as novas formas que, com os partidos operários, assumia o desenvolvimento do socialismo na Europa. Guardadas as proporções, este é o exemplo que nos deve inspirar. ler mais
Texto publicado em Lutas Sociais, vol. 5,  1998.

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