O homem é dotado de razão; é a vida consciente de si mesma; tem,
consciência de si, de: seus semelhantes, de seu passado e das
possibilidades de seu futuro. Essa consciência de si mesmo como entidade
separada, a consciência de seu próprio e curto período de vida, do fato de
haver nascido sem ser por vontade própria e de ter de morrer contra sua
consciência de sua solidão e separação, de sua impotência ante as forças
da natureza e da sociedade, tudo isso faz de sua existência apartada e
desunida uma prisão insuportável. Ele ficaria louco se não pudesse
libertar-se de tal prisão e alcançar os homens, unir-se de uma forma ou de
outra com eles, com o mundo exterior.
A mais profunda necessidade do homem, assim, é a necessidade de
superar sua separação, de deixar a prisão em que está só. A falência absoluta
em alcançar esse alvo significa loucura, porque o pânico do isolamento
completo só pode ser ultrapassado por um afastamento do mundo exterior
de tal modo radical que o sentimento da separação desapareça — porque o
mundo exterior, de que se está separado, também desapareceu.
O homem — de todas as idades e culturas — vê-se diante da solução de
uma só e mesma questão: a de como superar a separação, a de como realizar
a união, a de como transcender a própria vida individual e encontrar
sintonia.
Um meio de alcançar esse objetivo está em todas as espécies de estados
orgíacos. Podem ter eles a forma de um transe auto-provocado, às vezes com
a ajuda de drogas. Muitos ritos de tribos primitivas oferecem vivo quadro
desse tipo de solução. Num estado transitório de exaltação, o mundo externo
desaparece, e, com ele, o sentimento de estar dele separado. E como esses
ritos são praticados em comum, acrescenta-se uma experiência de fusão com
o grupo que dá a tal solução o máximo de eficiência.
Estreitamente relacionada com essa solução orgíaca e muitas vezes mesclada a ela está a experiência sexual. O orgasmo sexual pode produzir
um estado semelhante ao produzido por um transe, ou pelos efeitos de
certas drogas. Ritos de orgias sexuais comunitárias faziam parte de muitos
rituais primitivos. Parece que, depois da experiência orgíaca, o homem pode
continuar por algum tempo sem sofrer demais com sua separação.
Vagarosamente, a tensão da ansiedade sobe, e é de novo reduzida pela
realização repetida do rito.
Bem diferente é o caso quando a mesma solução é escolhida por um
indivíduo em uma cultura que deixou para trás essas práticas comuns. O
alcoolismo e o uso de drogas são as formas que o indivíduo escolhe numa
cultura não orgíaca. Ao tentarem fugir da separação pelo refúgio no álcool e
nos entorpecentes, sentem-se ainda mais separados depois que termina a
experiência orgíaca, e assim são levados a recorrer a ela com frequência e
intensidade aumentadas.
Pouquíssimo diferente disso é o recurso a uma solução orgíaca sexual.
Mas, em muitos indivíduos em que a separação não é aliviada por outros
meios, a procura do orgasmo reveste-se de uma função que não a faz muito
diferente do alcoolismo e do vício das drogas. Torna-se uma tentativa desesperada para fugir à ansiedade engendrada pela separação e resulta
num sempre crescente sentimento de separação, visto como o ato sexual sem
amor nunca lança uma ponte sobre o abismo entre dois seres humanos,
senão momentaneamente.
Todas as formas de união orgíaca têm três características: são intensas,
violentas até; ocorrem na personalidade total, no corpo e no espírito; são
transitórias e periódicas. Exatamente o oposto é verdadeiro quanto àquela
forma de união que é, em muito, a solução mais frequente escolhida pelo
homem no presente e no passado: a união baseada na conformidade com o
grupo, seus costumes, práticas e crenças.
A união com o grupo é o modo predominante de superar a separação. É
uma união em que o ser individual desaparece em ampla escala, em que o
alvo é pertencer ao rebanho. Se sou como todos os demais, se não tenho
sentimentos ou pensamentos que me façam diferentes, se estou em conformidade com os costumes, ideias, vestes, padrões do grupo, estou salvo: salveime da terrível experiência da solidão.
É preciso haver uma resposta ao anseio de união e, se não houver outro
meio melhor, então a união da conformidade no rebanho se torna a
predominante. Só se pode compreender a força do medo de ser diferente, do
medo de estar a poucos passo fora do rebanho, quando se compreendem as
profundidades da necessideade de não ser separado.
A união pela conformidade não é intensa e violenta: é calma, ditada pela
rotina e, por essa mesma razão, é muitas vezes insuficiente para apaziguar a
ansiedade da separação. Sendo assim, o conformismo de rebanho tem apenas
uma vantagem: é permanente e não espasmódico. O indivíduo é introduzido
no padrão conformista com a idade de três ou quatro anos e daí por diante
nunca perde o contato com o rebanho.
Vemos, assim, que a unidade conseguida na fusão orgíaca é transitória;
a unidade alcançada pelo conformismo é apenas pseudo-unidade. Eis porque são todas, apenas, respostas parciais ao problema da existência. A
resposta completa está na realização da unidade interpessoal, da fusão com
outra pessoa; está no amor.
O desejo de fusão interpessoal é o mais poderoso anseio do homem. É a
paixão mais fundamental, é a força que conserva juntos a raça humana, o clã,
a família, a sociedade. O fracasso em realizá-la significa loucura ou
destruição — auto-destruição ou destruição de outros. Sem amor, a
humanidade não poderia existir um só dia. Contudo, se chamarmos "amor" a
realização da união interpessoal, poderemos encontrar-nos em séria
dificuldade.
Para a maioria, a intimidade se estabelece antes de tudo pelo contato sexual.
Desde que primeiramente se experimente a separatividade da outra pessoa como
separatividade física, a união física significa a superação da separação. O amor
erótico é, pois, o anseio de fusão completa, de união com outra pessoa. Mas é
também, talvez, a mais enganosa forma de amor que existe. Por estar o desejo
sexual emparelhado na mente de muitos com a ideia de amor, são eles
com facilidade levados à má conclusão de que amam um ao outro
quando se querem um ao outro fisicamente.
O amor pode inspirar o desejo de união sexual: neste caso, falta à
relação física a avidez, a vontade de conquistar ou ser conquistado,
mas mistura-se nela a ternura. Se o desejo de união física não for estimuladopelo amor, se o amor erótico também não for amor fraterno, nunca levará à
união mais do que num sentido orgíaco e transitório. A atração sexual cria,
no momento, a ilusão de união, mas, sem amor, essa "união" deixa os
estranhos tão afastados quanto antes se achavam; muitas vezes, faz com
que se envergonhem um do outro, ou mesmo faz com que mutuamente
se odeiem, pois, partida a ilusão, sentem sua estranheza ainda mais
acentuadamente do que antes.
Já o amor amadurecido é união sob a condição de preservar a integridade
própria, a própria individualidade. O amor é uma força ativa no homem; uma
força que irrompe pelas paredes que separam o homem de seus semelhantes,
que o une aos outros; o amor leva-o a superar o sentimento de isolamento e
de separação, permitindo-lhe, porém, ser ele mesmo, reter sua integridade.
No amor, ocorre o paradoxo de que dois seres sejam um e, contudo,
permaneçam dois.
Por isso, o amor é uma atividade, e não um afeto passivo; é um
"erguimento" e não uma "queda". De modo mais geral, o caráter ativo do
amor pode ser descrito afirmando-se que o amor, antes de tudo, consiste em
dar, e não em receber. Dar é a mais alta expressão da potência. No próprio
ato de dar, ponho à prova minha força, minha riqueza, meu poder. Essa
experiência de elevada vitalidade e potência enche-me de alegria. Provo me
como superabundante, pródigo, cheio de vida e, portanto, como alegre. Dar
é mais alegre do que receber, não por ser uma privação, mas porque, no ato
de dar, encontra-se a expressão de minha vitalidade.
Não é difícil reconhecer a validez desse princípio aplicando-o a vários
fenómenos específicos. O exemplo mais elementar está na esfera do sexo. A
culminação da função sexual masculina reside no ato de dar; o homem se dá
à mulher, dá-lhe seu órgão sexual. No momento do orgasmo, dá-lhe seu
sémen. Não pode deixar de dar, se for potente. Se não pode dar, é impotente.
Quem é capaz de dar si é rico. Põe-se à prova como quem pode conceder de
si aos outros.
Que dá uma pessoa a outra? Dá de si mesma, do que tem de mais
precioso, dá de sua vida. Isto não quer necessariamente dizer que sacrifique
sua vida por outrem, mas que lhe dê daquilo que em si tem de vivo; dê-lhe de
sua alegria, de seu interesse, de sua compreensão, de seu conhecimento, de
seu humor, de sua tristeza — de todas as expressões e manifestações daquilo
que vive em si.
Mas, ao dar,não pode deixar de levar alguma coisa à vida da outra
pessoa, e isso que é levado à vida reflete-se de volta no doador; ao dar
verdadeiramente, não pode deixar de receber o que lhe é dado de retorno.
Dar implica fazer da outra pessoa também um doador e ambos
compartilham da alegria de haver trazido algo à vida. No ato de dar, algo
nasce, e ambas as pessoas envolvidas são gratas pela vida que para
ambas nasceu.
Com relação especificamente ao amor, isso significa: o amor é uma
força que produz amor; impotência é a incapacidade de produzir amor.
Este pensamento foi belamente expresso por Marx: "Imaginai — diz ele — o
homem como homem e sua relação com o mundo como uma relação humana, e
só podereis trocar amor por amor, confiança por confiança, etc. Se quiserdes
gozar a arte, devereis ser uma pessoa de preparo artístico ; se quereis ter
influência sobre outras pessoas, devereis ser uma pessoa que tenha sobre
outras pessoas influência realmente estimuladora e promotora. Cada uma de 4
vossas relações com o homem e com a natureza deve ser uma expressão
definida de vossa vida real, individual, correspondente ao objeto de vossa
vontade. Se amais sem atrair amor, isto é, se vosso amor é tal que não produz
amor, se através de uma expressão de vida como pessoa amante não fazeis de
vós mesmo uma pessoa amada, então vosso amor é impotente, é um infortúnio."
Aliás, crê-se que o amor é constituído pelo objeto e não pela faculdade.
Por não se ver que o amor é uma atividade, uma força da alma, acredita-se
que tudo quanto é necessário encontrar é o objeto certo – e tudo o mais irá
depois por si. Tal atitude pode ser comparada à de alguém que queira pintar
mas, em vez de aprender a arte, proclama que lhe basta esperar pelo objeto
certo, passando a pintá-lo belamente quando o encontrar. Mas, se
verdadeiramente amo alguém, então amo a todos, amo o mundo, amo a
vida.
Quase não é necessário acentuar então o fato de que a capacidade de dar
depende do desenvolvimento do caráter da pessoa. Pressupõe o alcance de
uma orientação predominantemente produtiva; nessa orientação a pessoa
superou a dependência, a onipotência narcisista, o desejo de explorar os
outros, ou de amealhar, e adquiriu fé em seus próprios poderes humanos,
coragem de confiar em suas forças para atingir seus alvos. No mesmo grau
em que faltarem essas qualidades é ela temerosa de dar-se — e, portanto,
de amar. A essência do amor é, pois, "trabalhar" por alguma coisa e "fazer
alguma coisa crescer", que amor e trabalho são inseparáveis. Ama-se aquilo
por que se trabalha e trabalha-se por aquilo que se ama.
O amor só é possível se duas pessoas se comunicam mutuamente a
partir do centro de suas existências e, portanto, se cada uma se experimenta
a partir do centro de sua própria existência. Só nesta "experiência central"
existe realidade humana, só aí há vivacidade, só ai está a base do amor.
Assim experimentado, o amor é um desafio constante; não é um lugar de
repouso, mas é mover-se, crescer, trabalhar juntamente; haja harmonia ou
conflito, alegria ou tristeza, isso é secundário em relação ao fato
fundamental de que duas pessoas se experimentam mutuamente a partir da
essência de sua existência, que são uma com a outra por serem uma consigo
mesmas, em vez de fugir de si mesmas. Só há uma prova da presença do
amor: a profundidade da relação e a vivacidade e o vigor em cada pessoa
envolvida; este é o fruto pelo qual o amor é reconhecido.
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