Anton Pannekoek: Marxismo e Darwinismo.

O marxismo deve sua importância e posição somente pelo papel que cumpre na luta do proletariado, todos sabem. Com o darwinismo, entretanto, as coisas parecem diferentes para o observador superficial, pelo fato de o darwinismo lidar com uma nova verdade científica, que luta contra os preconceitos religiosos e a ignorância. Todavia não é difícil ver que, na realidade, o darwinismo se submeteu às mesmas experiências que o marxismo.
O darwinismo não é uma mera teoria abstrata que foi adotada pelo mundo científico depois de discutida e testada de uma maneira puramente objetiva. Não, imediatamente depois de seu aparecimento, houve entusiastas defensores e apaixonados oponentes; o nome deDarwin, também, foi altamente honrado pelas pessoas que entenderam alguma coisa de sua teoria, ou desprezado por aqueles que não conheciam nada mais de sua teoria do que "o homem descendeu do macaco” e que eram certamente desqualificados para julgar de um ponto de vista científico a correção ou falsidade da teoria de Darwin. O darwinismo, também, teve um papel na luta de classes e é devido a esse papel que a teoria se espalhou tão rapidamente e teve entusiastas defensores e venenosos oponentes.
O darwinismo serviu como uma ferramenta para a burguesia em sua luta contra a classe feudal, contra a nobreza, os direitos do clero e dos senhores feudais. Esta luta foi inteiramente diferente da luta que agora os proletários travam. A burguesia não era uma classe explorada se esforçando para abolir a exploração. Não!
O que a burguesia queria era livrar-se do poder da velha classe dominante que estava em seu caminho.
A burguesia queria ela própria dominar, baseando suas exigências no fato de que ela era a classe mais importante, os líderes da indústria.
Que argumento poderia a velha classe, a classe que havia se tornado nada mais do que inútil parasita, apresentar contra a burguesia? Eles se apoiaram na tradição, nos seus antigos “direitos divinos”. Estes foram seus pilares. Com a ajuda da religião os padres mantiveram a grande massa na sujeição e pronta para se opor às exigências da burguesia.
Foi, portanto, por seu próprio interesse que a burguesia trabalhou para minar o direito "divino" dos governantes. A ciência natural tornou-se uma arma na oposição à crença e à tradição; a ciência e as recentes descobertas de leis naturais foram promovidas. Foi com estas armas que a burguesia lutou. Se as novas descobertas pudessem provar que o que os padres estavam ensinando era falso, a autoridade "divina” destes padres se esfarelaria e os “direitos divinos” gozados pela classe feudal seriam destruídos. É claro que a classe feudal não foi derrotada por isso somente; como um poder material só pôde ser derrubada por um poder também material, mas as armas mentais se tornaram ferramentas materiais. Foi por essa razão que a burguesia apoiou-se tanto na ciência material.
O darwinismo veio no tempo desejado. A teoria de Darwin de que o homem descendeu de um animal mais primitivo destruiu todo o fundamento do dogma cristão. É por essa razão que tão logo o darwinismo apareceu, a burguesia o agarrou com grande entusiasmo.
Não foi o caso da Inglaterra. Aqui vemos novamente como foi importante a luta de classes para a expansão da teoria de Darwin. Na Inglaterra a burguesia já dominava havia alguns séculos e, em massa, eles não tinham interesse em atacar ou destruir a religião. É por essa razão que embora esta teoria tenha sido amplamente lida na Inglaterra, mesmo assim não causou alvoroço em ninguém; ela simplesmente permaneceu como uma teoria científica sem grande importância prática.
Darwin considerou-a como tal e por medo que sua teoria pudesse chocar os preconceitos religiosos vigentes, ele propositalmente evitou aplicá-la imediatamente ao homem. Foi somente depois de numerosos adiamentos e depois de outros fazerem antes dele, que decidiu dar esse passo. Em uma carta a Haeckel ele deplorou o fato de que sua teoria deveria bater de frente com muitos preconceitos e tanta indiferença e que não tinha a perspectiva de viver o suficiente para vê-la transpor estes obstáculos.
Mas na Alemanha as coisas eram inteiramente diferentes e Haeckel corretamente respondeu a Darwin que sua teoria teve uma recepção entusiasmada na Alemanha. Isso aconteceu porque no momento em que apareceu naquele país a teoria de Darwin, a burguesia estava se preparando para levar adiante um novo ataque ao absolutismo e ao junkerismo. A burguesia liberal era encabeçada pelos intelectuais. Ernest Haeckel, um grande cientista e de ainda maior ousadia, imediatamente esboçou em seu livro, “Criação Natural”, conclusões mais ousadas contra a religião. Então, enquanto o darwinismo conhecia a recepção mais entusiasmada por parte da burguesia progressista, era amargamente rejeitado pelos reacionários.
A mesma luta também aconteceu em outros países europeus. Em todo lugar a burguesia liberal progressista tinha que lutar contra os poderes reacionários. Esses reacionários possuíam ou tentavam obter, através dos seguidores religiosos o poder cobiçado. Sob estas circunstâncias mesmo as discussões científicas eram imbuídas de entusiasmo e paixão da luta de classes. Os escritos que aparecem a favor ou contra Darwin tinham, portanto, a marca de polêmicas sociais, a despeito do fato de que eles levavam os nomes de autores científicos. A litania dos escritos populares de Haeckel, quando olhada de um ponto de vista científico, é muito superficial, enquanto os argumentos e demonstrações de seus oponentes mostram tolices inacreditáveis que só podem ser encontradas nos argumentos usados contra Marx.
A luta travada pela burguesia liberal contra o feudalismo não foi levada até o fim, foi particularmente devido ao fato de que em todo lugar os proletários socialistas faziam sua aparição, ameaçando todos os poderes dominantes, incluindo o da burguesia.
A burguesia liberal se afrouxou, enquanto as tendências reacionárias ganharam força. O entusiasmo anterior em combater a religião desapareceu inteiramente e enquanto é verdade que os liberais e os reacionários se mantiveram lutando entre si, na realidade, entretanto, eles se aproximaram. O interesse anteriormente manifestado na ciência como uma arma na luta de classes, desapareceu totalmente, enquanto que a tendência reacionária de que as massas deveriam assimilar a religião tornou-se cada vez mais acentuada.
A estima pela ciência também sofreu uma mudança. Antes, a educação burguesa era fundada sobre uma concepção materialista do universo, de onde eles viam a solução para o enigma universal. Agora o misticismo se fortaleceu; tudo o que foi explicado aparece como trivial, enquanto todas as coisas que permanecem sem explicação, aparecem como sendo muito grandes, abarcando a mais importante questão vital. Um estado de espírito cético, crítico ou de dúvida tomou o lugar do júbilo anterior em favor da ciência.
Isto poderia também ser visto na posição tomada contra Darwin. “O que demonstra esta teoria? Ela deixa sem resolução o enigma universal! De onde vem esta maravilhosa natureza da transmissão; De onde vem a habilidade dos seres animados de se modificar tão adequadamente?" Aqui reside o misterioso enigma da vida, que não podia ser superado com princípios mecânicos. Então, o que restou do darwinismo à luz da crítica posterior?
É claro, o avanço da ciência começou a fazer um rápido progresso. A solução de um problema sempre traz novos problemas à superfície para serem resolvidos, os quais estavam escondidos sob a teoria da transmissão que Darwin teve que aceitar como uma base de investigação, que foi cada vez mais investigada; uma calorosa discussão se colocou sobre os fatores individuais do desenvolvimento e a luta pela existência.
Enquanto alguns cientistas dirigiram sua atenção à variação, a qual eles consideravam devida ao exercício e adaptação à vida (de acordo com o princípio posto por Lamarck), esta idéia foi expressamente negada por cientistas como Weissman e outros. Enquanto Darwinsomente supôs graduais e lentas mudanças, De Vries encontrou repentinos e abruptos casos de variação resultantes de súbitos aparecimentos de novas espécies.
Tudo isto, enquanto fortalecia e desenvolvia a teoria da descendência, em alguns casos deram a impressão de que as novas descobertas despedaçavam a teoria darwinista e, portanto, cada nova descoberta que causasse esta impressão era saudada pelos reacionários como uma falência do darwinismo. Esta concepção social teve sua influência na ciência. Cientistas reacionários clamaram que um elemento espiritual é necessário. O sobrenatural e o insolúvel tomaram o lugar do darwinismo e aquela classe que no início usou a bandeira do darwinismo se tornou cada vez mais reacionária.

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