Nildo
Viana*
“A primeira razão porque os homens servem de bom grado é que
nascem servos e são criados como tais”.
Etiene
La Boétie
O modo de produção é, nas sociedades
de classes, a fonte do poder. A classe explorada trava uma luta incessante
contra a classe exploradora e esta luta se reproduz no conjunto das relações
sociais. Há, desta forma, uma reprodução desta luta de classes em todas as
esferas da vida social. Ocorre, porém, que essa reprodução significa também uma
reprodução das duas classes sociais fundamentais e da dominação de uma sobre
outra. A reprodução da luta é a reprodução da relação (de exploração e
dominação) e a reprodução da relação é reprodução da luta (conflitos e
possibilidade de superação).
O estado é a principal instituição
erigida com o objetivo de assegurar a reprodução do modo de produção dominante.
A forma como ele executa isto varia de acordo com o modo de produção, mas é na
sociedade capitalista que ação estatal visando reproduzir a ordem se
complexifica num nível nunca visto antes na história da humanidade.
O estado se encontra entrelaçado com
diversos outros meios de reprodução das relações de produção e isto é mais
intenso ainda no modo de produção capitalista. O estado, como poder coletivo da
classe dominante, possui o monopólio do uso da força e isto é reconhecido e
aceito pela maioria da população, e assim pode utilizar a repressão, quando
isto é necessário, visando garantir a estabilidade das relações sociais
existentes, ou seja, reproduzir as relações de classes existentes. Entretanto,
outros meios são utilizados preferencialmente em épocas em que a luta de
classes não representa uma ameaça à ordem, tal como a ideologia.
No capitalismo, o estado sofre um
processo de crescimento. Este processo fornece a ilusão de que o estado e a
sociedade civil formam uma unidade, sendo que as instituições da sociedade
civil passam a se consideradas “estatais” (Althusser, 1985; Gramsci, 1988).
Esta confusão pode ser desfeita
através da distinção entre público e privado. O que chamamos de público, numa
sociedade classista, é o que pertence à esfera estatal. Ocorre, porém, que este
“público” não se refere à coletividade em geral e sim a uma parte dela. Qual
parte? Esta parte é a classe dominante,
pois o estado é o seu poder coletivo. O estado não é dominado por indivíduos,
não é uma instituição privada, não está submetido à lógica jurídica da
propriedade privada (não pode ser “herdado”, por exemplo). Mas, como ele
representa os interesses da classe dominante, pode ser considerado “público”,
ou seja, da coletividade (no sentido restrito, ou seja, no sentido de
representar a coletividade que é a classe dominante).
O caráter “público” do estado é
apenas o disfarce que ele utiliza, pois não poderia se apresentar como representante
da classe dominante, já que isto significaria a sua perda de legitimidade e a
repressão seria o único recurso que ele poderia utilizar para manter a ordem.
Contudo, o estado, para manter esta ordem, se volta contra indivíduos ou
frações da classe dominante, contra as classes auxiliares desta, etc. Isto
significa que ele possui um caráter coletivo. Isto decorre do fato dele ser o
poder coletivo da classe dominante e do seu objetivo de preservar a sociedade
tal como ela é. Ao se apresentar como “público”, ele apenas busca garantir sua
própria legitimidade.
Acontece que a distinção entre
público e privado ao ser abolida e em seu lugar aparecer algo indistinto
chamado “aparelhos ideológicos do estado” (Althusser: 1985) ou então “estado
ampliado” (Gramsci, 1988) significa a não percepção da real diferença entre
estado e sociedade civil. O estado é o poder coletivo da classe dominante e a
sociedade civil é onde se manifesta as diversas classes e frações de classes
existentes. Em poucas palavras, a distinção serve para se reconhecer a
homogeneidade do estado e a heterogeneidade da sociedade civil. No estado,
reina a classe dominante de forma absoluta; na sociedade civil há a
manifestação das diversas classes e frações de classes existentes.
Desta forma superamos a visão
simplificadora segundo a qual todas as instituições existentes (família,
partidos, igrejas, etc.) são “aparelhos de estado”. Esta simplificação pode
ofuscar a visão da luta de classes que perpassa a sociedade civil. Sem dúvida,
a classe dominante devido os seus recursos financeiros possui a supremacia
também na sociedade civil. Mas nesta, ao contrário do que ocorre no estado, ela
não reina absoluta, pois as demais classes e frações de classes, embora com
muito menos força, também se manifestam.
Portanto, a distinção entre público e
privado é ideológica devido aos termos que utiliza, mas não por afirmar a
existência de uma distinção, pois esta realmente existe. A distinção não é
entre “público” e “privado” e sim entre o estatal (poder coletivo da classe
dominante) e o “privado” (que é um conjunto heterogêneo de instituições e
manifestações de classe e frações de classe). Não reconhecer esta distinção
significa empobrecer a compreensão da realidade social e cair numa armadilha
ideológica.
A ampliação do estado na sociedade
capitalista produz uma distinção entre o chamado “aparelho de estado” e as
instituições estatais. O aparelho de estado é onde se concentra, entre outras
coisas, os meios de administração e os meios de repressão. As instituições estatais
são criadas pelo estado visando colaborar com a reprodução do modo de produção
capitalista. As principais diferenças entre o aparelho de estado e as
instituições estatais são a concentração do poder nas mãos do primeiro e o
maior grau de autonomia existente nestas últimas.
O aparelho de estado concentra em
suas mãos o controle sobre a sociedade e mantém uma unidade de ação necessária
para conseguir concretizar isto. As instituições estatais, por serem
instituições de apoio do aparelho de estado, têm sua esfera de ação limitada,
não atuando sobre o conjunto da sociedade. As instituições estatais, além
disso, possuem uma maior autonomia em relação ao aparelho de estado, já que se
distingue dele.
O estado, tanto o seu aparelho quanto
suas instituições, busca reproduzir as relações de produção capitalistas sob
diversas formas. Além da repressão e da ideologia, o estado intervém também na
esfera da produção e distribuição (intervenção “econômica”) buscando manter a
estabilidade e controlar as crises do capitalismo. O estado faz isto tanto
através da intervenção direta na produção (empresas estatais) quanto através
das suas políticas (monetárias, fiscais, de subsídios, etc.). O estado drena
recursos financeiros (parte do mais-valor produzido pelo proletariado) através
dos impostos e os aplica nos locais apropriados e necessários para haver a
reprodução do capital. A política monetária busca impedir o descontrole
financeiro que tende a ocorrer no caso do “livre jogo do mercado”. O estado
também investe seus recursos onde os capitais individuais não podem (ou não
querem) atuar, objetivando, entre outras coisas, reduzir os custos com a força
de trabalho assim como sua reprodução (política habitacional, política de saúde
e de transporte coletivo, etc.).
Na sociedade capitalista, uma das
instituições estatais mais importantes para a reprodução das relações é a
escola. Esta, em todos os seus níveis, ou seja, do jardim de infância à
universidade, executa um papel de suma importância para a reprodução do
capitalismo. Ela realiza este papel sob duas formas principais: a) através da
inculcação dos valores e da ideologia dominantes; b) através da reprodução da
força de trabalho adequada para servir ao capital.
A escola repassa aos alunos um
conjunto de valores e uma ideologia que se apresenta como científica, neutra e
verdadeira, mas, que é, na verdade, uma expressão de uma falsa consciência, tal
como é do interesse da classe dominante. Os diversos graus de ensino
representam diversos níveis de repasse da ideologia dominante que se
diferenciam pelo seu grau de sistematização e complexidade. As universidades,
por exemplo, são responsáveis pela formação de força de trabalho especializada
e por isso precisa apresentar o saber através de um alto grau de
sistematização.
A escola também prepara a força de
trabalho de acordo com as necessidades do capital. Esta preparação reproduz a
divisão social do trabalho existente na sociedade capitalista, ou seja, realiza
uma seleção que permite aos indivíduos pertencentes às classes privilegiadas
atingir o mais alto grau de ensino. Neste sentido, podemos dizer que a escola
não só busca preparar a força de trabalho para o capital como o faz de tal
forma que reproduz a divisão de classes existentes na sociedade capitalista.
As escolas privadas, por sua vez, têm
como objetivo o lucro. As escolas privadas representam os interesses do capital
individual e realizam o mesmo papel que as escolas estatais: reproduzir as
relações de produção capitalistas através da inculcação da ideologia e da
preparação da força de trabalho.
Outra forma que o estado encontra
para reproduzir a dominação de classe e de todas as outras formas de dominação
daí derivadas é a democracia representativa. O estado, através da legislação,
organiza o sistema partidário e o sistema eleitoral. A democracia
representativa (burguesa) legitima o estado capitalista ao oferecer o direito
de votar e ser votado, que, ficticiamente, é prerrogativa de todo cidadão.
Desta forma, cria-se a ilusão de que são os cidadãos livres e iguais que escolhem
livremente os seus representantes e que qualquer cidadão pode se candidatar a
qualquer cargo público.
Isto, entretanto, não condiz com a
realidade. Um cidadão para ser candidato tem que satisfazer várias condições
que vão além do seu título de eleitor. A primeira condição é estar filiado a um
partido político. Este, por sua vez, para ser legalizado e concorrer às
eleições precisa se submeter à legislação partidária (Viana, 2003a). Esta
legislação produz diversos obstáculos e requer, para ultrapassá-los, por parte
do partido, a existência de sólida estrutura financeira e burocrática. Isto
beneficia duplamente a classe dominante na disputa eleitoral, pois ela e suas
classes auxiliares não só possuem mais recursos financeiros e por isso ganham
predominância no processo eleitoral como também burocratizam e corrompem os
partidos que dizem representar as classes exploradas. Além disso, estes
partidos, por terem em suas fileiras membros oriundos das classes exploradas e
dizer representá-las, legitimam ainda mais a democracia burguesa.
Além da mediação do partido, o que
significa se submeter às suas regras, o cidadão tem que atender a outras
exigências, que varia de acordo com o país, tal como a idade, por exemplo. Além
disso, sem recursos financeiros próprios ou daqueles que o financiam em “troca
de algo” dificilmente um cidadão consegue se lançar candidato.
O direito de votar, por sua vez,
significa apenas uma escolha de algo exterior que pode ser útil a quem vota. É
a mesma lógica de ir ao supermercado fazer compras. Aliás, não é sem motivo que
se cunhou o termo “mercado político”. Neste mercado, assim como em qualquer
outro, existe uma variedade de produtos (os partidos e seus candidatos) que
podem ser escolhidos e que lhes são apresentados pela propaganda generalizada (de
“massas”) e pelos meios oligopolistas de comunicação. Após a eleição não há
nenhum controle dos eleitores sobre os eleitos. Estes últimos, chamados de
“representantes” do povo, não são expressão da vontade popular, pois isto
pressupõe a elaboração por parte desta de um projeto político que o candidato
escolhido iria apenas representar no parlamento ou governo. Mas o que ocorre é
justamente o contrário: são os representantes que elaboram os projetos (ou
fingem elaborar, pois a prática se diferencia do discurso) e os apresentam à
comunidade, para que esta escolha algo que lhe é alheio (tanto no sentido de
não ter sido produzido por ela quanto no sentido de não representar os seus
reais interesses).
Desta forma, a democracia burguesa
(“representativa”) legitima o estado capitalista (Viana, 2003b). Esta
legitimação, entretanto, não resiste aos momentos de crise, que o estado sempre
busca contornar, apelando, principalmente, para a mudança de governo e
responsabilizando o governo de determinado partido pela crise para impedir a
percepção de que é o próprio estado capitalista que é o principal responsável
pela manutenção da ordem capitalista e de suas crises.
Um conjunto de instituições sociais,
tanto privadas quanto estatais, busca realizar a reprodução do modo de produção
capitalista. O estado capitalista busca exercer um amplo controle sobre as
instituições privadas existentes na sociedade. Ele faz isto principalmente
através da legislação. É através das leis que é regularizado o funcionamento das
instituições privadas (escolas, igrejas, associações, partidos, sindicatos,
etc.). Outras formas de controle estatal sobre as instituições privadas ocorrem
através de suas exigências para a dotação de recursos e realização de
convênios. O estado exerce este controle com o objetivo de corromper e
burocratizar estas instituições para assim exercerem o mesmo papel que ele
exerce: reproduzir as relações de produção capitalistas. Através da democracia
burguesa e destes métodos, cria-se a sociedade civil organizada que realiza uma
mediação burocrática entre estado e sociedade civil (Viana, 2003b).
Mas além do estado, da escola, da
democracia burguesa, da sociedade civil organizada, existem outros meios de
reprodução do poder que são reforçados pelo estado, mas que não são produzidos
diretamente por ele. Este é o caso da ideologia, da família, da mentalidade e
da sociabilidade.
A sociabilidade é o conjunto das
relações sociais existentes em uma determinada sociedade e que possui como
determinação fundamental o modo de produção dominante. Ela está presente na
família, na escola, nos partidos, nas igrejas, em todos os lugares. A
sociabilidade capitalista possui três características básicas: a competição, a
mercantilização e a burocratização (Viana, 2008). A competição que permeia o
conjunto das relações sociais sob o capitalismo tem sua origem na própria
esfera da produção e distribuição. A competição entre as empresas capitalistas
por uma maior fatia do mercado consumidor e a dos trabalhadores pelo mercado de
trabalho se generaliza e se espalha para as demais relações sociais. A
sociedade capitalista é, por natureza, uma sociedade competitiva. A competição
pela ascensão social, pelo status, etc., está presente e se reproduz em todas
as relações sociais, nas escolas, nos partidos, nas igrejas, na família, no
esporte, etc.
Outra característica da sociabilidade
capitalista é a mercantilização das relações sociais. A produção capitalista de
mercadorias tende a transformar tudo em mercadoria. Até a
força de trabalho do trabalhador é transformada em mercadoria e é vendida em
troca de um salário. Com o desenvolvimento capitalista há um crescente processo
de mercantilização das relações sociais, transformando os meios de consumo,
serviços sociais, etc., em mercadorias.
O processo de burocratização as
relações sociais acompanha este processo de mercantilização. Cria-se um
conjunto de instituições (privadas e estatais) caracterizadas pela direção
hierárquica que produz uma pirâmide social onde se distribui as camadas sociais
que detém o poder. No cume da pirâmide está a burocracia do aparelho de estado
e no seu ponto mais baixo se encontra a burocracia das instituições privadas
das classes sociais menos privilegiadas (partidos, sindicatos, igrejas, etc.).
A expansão da mercantilização das
relações sociais cria um conjunto de agencias estatais e privadas (de turismo,
publicidade, etc.) que realizam concomitantemente a ampliação da burocratização
das relações sociais. A burocracia, enquanto classe social responsável pela
direção das empresas e instituições privadas e estatais, cresce cada vez mais e
a competição pelo poder sofre um processo de crescimento nestes locais.
A sociabilidade capitalista, ou seja,
estas relações sociais marcadas pela competição, pela mercantilização e pela burocratização
atingem a consciência coletiva das pessoas e fornecem a base da ideologia e da
mentalidade burguesas (Viana, 2008). A ideologia é a sistematização da falsa
consciência da realidade. O que é esta falsa consciência? É a consciência que
toma as atuais relações sociais (sociabilidade capitalista) como algo imutável,
natural, a-histórico, enfim, como se elas correspondessem à natureza humana. A
ideologia sistematiza esta falsa consciência através de um discurso coerente e
totalizador que lhe dá a forma de discurso científico, religioso, filosófico,
técnico, etc. Assim surge um conjunto de ideologias que reproduzem a falsa
consciência dos indivíduos, já que agora é (re)apresentada por autoridades
científicas, técnicas, políticas, artísticas, religiosas, etc.
A mentalidade, por sua vez, expressa
o fenômeno da introjeção do “princípio de realidade”, para utilizar expressão
freudiana, da sociedade contemporânea. A sociedade exige dos indivíduos e
grupos sociais que se comportem da forma necessária para continuar existindo. A
mentalidade busca modelar as energias dos indivíduos de tal forma que o seu
comportamento deixa de ser um produto de uma decisão planejada, refletida ou
pensada em seguir o padrão de comportamento estabelecido e sim um desejo de
agir de acordo com este padrão e, ao mesmo tempo, uma satisfação em agir desta
forma. Assim, antes da decisão racional, vem o desejo produzido socialmente.
Isso gera decisão racional, que reforça esse processo. Na sociedade
contemporânea, a forma de mentalidade dominante é a que introjeta a
sociabilidade capitalista, reproduzindo-a em suas elaborações mentais e que
pode ser chamada de mentalidade burguesa (Viana, 2008). A sociabilidade não só
confirma a mentalidade como exige a sua reprodução.
A família também executa um papel de
grande importância na reprodução do poder. Ela é “o agente psíquico da
sociedade, a instituição que tem a função de transmitir as exigências da
sociedade à criança em desenvolvimento” (Fromm, 1979, p. 81). A família
realizaria isto sob duas formas: a) através da transmissão da mentalidade dos
pais aos filhos; e b) através da forma de educação habitual fornecida pelos
pais que modelam a mentalidade das crianças numa direção socialmente desejável.
Além disso, a própria estrutura
familiar se organiza de forma autoritária e isto influencia a criança no
sentido de reproduzir as relações de poder: “o tipo predominante da família, a
pequeno-burguesa, se estende muito além da chamada ‘pequena-burguesia’,
penetrando profundamente na grande-burguesia e também na classe dos operários.
A base da família pequeno-burguesa é a relação entre o pai patriarcal, a mulher
e os filhos. Ele é, por assim dizer, o expoente e representante da autoridade
estatal na família. Devido à contradição entre a sua posição no processo de
produção (subordinado) e a sua função familiar (chefe), ele é lógica e
tipicamente uma espécie de primeiro-sargento; submete-se aos que estão em acima
dele, absorvendo totalmente os pontos de vista dominantes (daí sua tendência
para a imitação), e domina os que estão abaixo dele; transmite os pontos de
vista governamentais e sociais e os faz respeitar” (Reich, 1988, p. 106).
Isto é tão forte que pode até mesmo
explicar a personalidade autoritária de muitos indivíduos. A personalidade
autoritária de Hitler, por exemplo, já teve sua origem atribuída à suas
relações familiares: “o chefe da classe média alemã em revolta [Hitler] é ele
mesmo filho de funcionário e conta com precisão o conflito que teve que
enfrentar, e que é precisamente específico da estrutura de massa
pequeno-burguesa. O pai queria que ele se tornasse funcionário, mas o filho
revoltou-se contra o projeto paterno, decidiu não o pôr em prática ‘sob
pretexto algum’, tornou-se pintor e por isso mesmo proletarizou-se. Mas ao lado
dessa revolta contra o pai subsistiu a consideração e o reconhecimento de sua
autoridade” (Reich, 1974, p. 37-38).
Isto revela o que a revolta contra a
autoridade é sempre acompanhada de uma ligação afetiva e de uma vontade de
substituí-la. Desta forma, a revolta contra o pai pode ser interpretada como
uma revolta contra a autoridade que ele representa e significa um desejo de
substituir a autoridade, tal como muitos atacam a burocracia, a burguesia ou o
governo para na verdade substituí-lo. Isto é típico da mentalidade rebelde, ao
contrário da mentalidade revolucionária (Fromm, 1977). A família reproduz esta
forma de organização autoritária que cria conflitos internos e ajuda a moldar
personalidades autoritárias e burocráticas.
Desta forma, a família reproduz no
seu interior a sociabilidade capitalista e a mentalidade burguesa e ambas são
transmitidas às crianças. A escola, por sua vez, reforça isto, assim como o
conjunto das demais relações sociais as quais as crianças serão submetidas.
Assim, cada indivíduo traz dentro de si a reprodução do poder.
As diversas formas de reprodução do
poder servem para fortalecer o estado e as relações de produção capitalistas. A
dominação de classe se expande para todas as relações sociais e sua reprodução
torna o poder quase indestrutível. Contudo, apesar do poder ser quase
indestrutível, existem formas de negação do poder e a possibilidade de abolição
do poder. Trataremos disto em outro texto.
Referências:
Althusser. Aparelhos
Ideológicos do Estado. 4a edição, Rio de Janeiro, Graal,
1985.
Fromm, E. Meu Encontro com Marx e Freud. 7a edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1979.
Fromm, Erich. O Dogma de Cristo. Rio de Janeiro, Zahar, 1977.
Gramsci. A. Concepção Dialética da Historia. 7ª edição, Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1988.
Reich, W. Psicologia de Massas do Fascismo. Porto, Publicações Escorpião,
1974.
Reich. W. A Revolução Sexual. 8a
edição, RJ, Guanabara, 1988.
Viana, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. A Dinâmica da Política Institucional no
Capitalismo. Rio de Janeiro, Achiamé, 2003b.
Viana, Nildo. O Que São Partidos Políticos? Goiânia, Edições Germinal, 2003a.
Viana, Nildo. Universo Psíquico e Reprodução do Capital. Ensaios Freudo-Marxistas.
São Paulo, Escuta, 2008.
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