O que nos
interessa é saber em que condições o poder produz um tipo de saber necessário à
dominação, e em que medida essa saber aplicado reproduz o poder.
É com o
capitalismo que o saber instrumental adquire características dominantes, é com
o filósofo da manufatura Bacon que “saber é poder” implica domínio sobre o
ambiente.
A maioria
dos acadêmicos universitários vegeta no conforto intelectual agasalhado pelas
sinecuras burocráticas e legitimadas ideologicamente pelo apoliticismo: a
ideologia dos que não tem ideologia.
A ciência
social vê-se reduzida a simples fornecedora de elementos aos que detêm o poder
nos EUA, para permitir a sua intervenção nos aspectos econômicos ou sociais do
real, porém o maior problema é prevenir o conflito no local, do que vencê-lo.
O grave
problema da universidade norte-americana atual é a síndrome do conformismo, que
permite a utilização do saber para o genocídio**, prevenir conflitos futuros, tornando o sociólogo um burocrata auxiliar
e triste do Departamento de Defesa.
Na
realidade, o que os subdesenvolvidos aprendem a respeitar na idéia de ciência
são os conceitos abstratos, as realizações experimentais que não podem ser
reproduzidas por eles e que não têm relação com sua cultura. Ficam em estado de
impotência intelectual em relação à Metrópole, que capta os melhores estudantes
para o doutorado, na sua maioria oriundos da América Latina.
Em suma,
trata-se de munir a elite norte-americana de material antropológico e
sociológico sobre elites e grupos minoritários que possam ser utilizados pelo
poder para intervir na direção dos processos sociais e políticos
latino-americanos. É o saber a serviço do poder.
Mais nítida
é a vinculação entre o imperialismo e a antropologia. Por ocasião do fim da
Guerra dos Boers (1899-1902), os antropólogos ingleses procuram aplicar seus
conhecimentos tendo em vista fins práticos. O Royal Anthropological Institute
apresentou, na época, ao secretário de Estado para as Colônias, a proposta para
que se estudassem as leis e instituições da diferenciação tribal da África do
Sul. Tal estudo tinha em mira criar uma base, a política administrativa “racional”.
A administração dos povos coloniais sempre fora considerada terreno
privilegiado para a aplicação do conhecimento antropológico. Os governos
coloniais tinham noções diversas sobre a rapidez dos processos de
“ocidentalização “ dos “primitivos”.
A produção
teórica antropológica orientou-se pela prática
colonial; assim, a pedido da Administração Colonial, Meyer Fortes escreveu
sobre os costumes matrimoniais dos tallensi; Rattray, antropólogo e funcionário
colonial, escreveu sobre os ashanti.
O governo
britânico na Nigéria e Costa do Ouro sempre partilhou da idéia de que os
nativos com posição tradicional eram “melhores agentes locais da política do
governo e desejavam saber quem eram as pessoas que poderiam ser reconhecidas
como autoridade indígena.
Em tese, os
destinos da pesquisa e análise antropológica reproduzem as vicissitudes da
formação econômico-social. Assim, antes de analisarmos a emergência da
antropologia norte-americana, sua metodologia e as implicações sóciopolíticas,
é importante notar que os Estados Unidos, antes de terem colônias externas,
tinham-nas internamente. A antropologia aplicada norte-americana inicia-se
quando em 1934 o governo dos EUA cria o Bureau of Indian Affairs: as empresas
privadas utilizam-se da antropologia, aplica-se a metodologia antropológica
entre 1927 e 1932 em Hawthorne, na Western Electric Company em Chicago. Em
1941, funda-se a Society for Applied Anthropology, com interesse na área de
saúde mental, organização industrial e relações entre o desenvolvimento econômico
e mudança cultural.
É por
ocasião da Segunda Guerra Mundial que o governo norte-americano empregou antropólogos com a finalidade de explicar a
cultura das zonas ocupadas àqueles membros do Exército que precisavam do
trabalho dos nativos como operários, ou mensageiros.
Os
antropólogos são empregados como consultores nos projetos de assistência
técnica dos EUA. A antropologia aplicada após a Segunda Guerra Mundial
orientou-se em direção a programas práticos destinados a acelerar mudanças
específicas em determinadas sociedades dominadas. Assim, a estrutura e o
funcionamento da administração colonial na África e na Oceania, o contingente
índio na América Espanhola e as reservas indígenas nos EUA foram amplamente
estudados.
Vejamos o
exemplo abaixo: “nos EUA um eminente sociólogo, presidente da Associação de
Ciências Sociais, no seu discurso de posse sugerir, como solução do “problema
negro”, a transferência maciça de negros para os Andes. Seja dito que não
consultara antes nem os negros nem os andinos. (Anthropologie et imperialisme).
Desenvolve-se
uma retórica acadêmica na qual não há alienação; o poder é negado, existe a
pluricausalidade e os estudos de comunitários; sua dependência dos
financiamentos leva-o a estudar os problemas conforme a ótica dominante, que é
a da classe dominante.
Da ascensão
do capitalismo e evolucionista no declínio do capitalismo, a antropologia
torna-se difusionista. No fundo, as ciências sociais tendem a transformar-se em
um gigantesco projeto para empregar a classe média intelectualizada, legitimar
a dominação da elite e ludibriar os dominados por uma retórica vazia.
É o
colonialismo que torna possível a antropologia** e é ela que procura “entender”
o colonialismo: isso é claro quando africanistas liberais desenvolvem temas
sugeridos pela CIA como “A bruxaria e a magia e outros fenômenos psicológicos e
suas implicações sobre as operações militares e paramilitares no Congo”*.
O
pluralismo no plano do conhecimento em nível metodológico nada mais é do que a
institucionalização de uma posição relativista, traduzindo na linguagem do
método a tolerância repressiva manifesta no pluralismo político que oferece ao
cidadão um “leque de escolhas” que vai do Partido Conservador ao Liberal. Todo
conservador é pluralista; porém, a verdade é uma só, não é pluralista.
*
Isso ficou muito claro com a utilização da antropologia. Informações
antropológicas foram obtidas para silenciar, por via aérea, aldeias asiáticas.
A utilização de dados antropológicos para assassinar lideranças comunitárias na
Ásia levou os antropólogos a publicarem suas pesquisas, decorridos cinco anos
de levantamento de campo, mudando nomes pessoais e dos locais pesquisados.
*
* É claro que o surgimento de obras como de Lattimore, Jan Myrdal, Wilfred
Burchet, Willian Hanton descortina novos rumos ao antropólogo não-acadêmico. A
mesma realidade que cria o academismo cria sua negação.
0 comentários:
Postar um comentário