REFLEXÕES SOBRE RELAÇÕES DE TRABALHO E IDEOLOGIA EM KARL MARX, por Erisvaldo Souza.


            “A produção cria o consumidor”. Karl Marx

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Karl Marx (1818-1883) pensador alemão que desenvolveu diversas obras e artigos sobre temáticas variadas, como: Sociologia, Política, Economia, História, etc, algumas em conjunto com seu companheiro de lutas sociais e pesquisa Fredrich Engels, como: A Ideologia Alemã de 1847 e o próprio Manifesto do Partido Comunista de 1848.
O contexto da produção da obra de Marx é a Europa dos anos de 1840 até o final dos anos de 1870, período marcado pelo desenvolvimento do capitalismo como modo de produção, do desenvolvimento da ciência como forma de conhecimento e da organização e avanço das lutas operárias na Europa.
Na Europa dos anos de 1840-1850, aconteceram vários levantes de trabalhadores em luta contra o capital e seus representantes, ou seja, a burguesia, que Marx colocava esta classe social como sendo uma classe que transformou o modo de produção feudal para o modo de produção capitalista. Marx, em seus escritos, vai analisar burguesia e proletariado como sendo classes sociais antagônicas e que estão em constante luta, a luta de classes é uma das preocupações centrais da obra de Marx.
A questão da luta de classes para Marx, esta é “o motor da história”, pois segundo ele, em oposição à burguesia, o proletariado é a única classe social capaz a partir de sua ação coletiva, fazer frente e derrotar a burguesia. 
As reflexões propostas neste trabalho buscam a partir das obras iniciais de Marx, desenvolver uma análise de alguns conceitos como alienação, trabalho e ideologia, que são conceitos fundamentais para que possamos entender a obra de Marx. As obras aqui utilizadas são: Os Manuscritos Econômicos e Filosóficos de (1844) e a Ideologia Alemã de (1847). Em alguns momentos do nosso trabalho trabalharemos com outras obras que contribuem ou complementam a nossa discussão proposta.
Em os Manuscritos Econômicos e Filosóficos, o autor parte da análise da filosofia de Hegel e conseqüentemente de seus seguidores (esquerda hegeliana) e da Economia Política Clássica, ou da Economia Nacional, representada por Adam Smith e David Ricardo.
O trabalho é uma categoria fundamental para que possamos entender os manuscritos de Marx, desta forma ele afirma que nesse processo de trabalho acontece a alienação do trabalhador que é reduzido a uma simples mercadoria, que também é vendida no mercado como qualquer outra mercadoria.
Para Marx (2004) o trabalho dentro do sistema de produção industrial capitalista, inexoravelmente, leva à alienação do homem, que “objetifica” diante da máquina e se torna uma ferramenta, instrumento utilizado pelo capital a fim de explorá-lo. Este mesmo operário no processo de produção de mercadorias, quanto mais riqueza este produz, mas pobre ele fica, pois os objetos produzidos por ele, não pertencem a ele.
Para Ranieri (2004) logo na apresentação da obra, afirma que é interessante notar que os Manuscritos Econômicos e Filosóficos repousam sobre uma intrigante, mas apenas aparente contradição: a unidade da crítica à economia política dependia fundamentalmente da concepção de trabalho como alicerce de toda atividade humana. Que na realidade vai ser a grande preocupação de Marx nesta obra, isto quer dizer que o trabalho vai ser um elemento central da análise proposta pelo autor.
Marx analisa as relações de trabalho no contexto do século XIX período marcado pelo avanço do capitalismo, principalmente na Inglaterra, principal país capitalista desse período. É um momento onde as relações de trabalho estão sendo transformadas, pois até o momento, grande parte dos trabalhadores na Europa, trabalhavam no campo e não tinham um trabalho assalariado e industrial, fato novo na história das relações trabalhistas.
Para desenvolver sua análise sobre as relações de trabalho, Marx inicia sua obra tratando de uma questão fundamental quando falamos em trabalho, a questão do salário, que para ele, “o salário é determinado mediante o confronto hostil entre capitalistas e trabalhador. A necessidade da vitória do capitalista. O capitalista pode viver mais tempo sem o trabalhador do que este sem aquele”. (Marx, 2004, p. 23). Este confronto hostil que o autor se refere, é a luta de classes que ocorre entre patrão e empregado, tanto no interior das fábricas ou em momentos de greves que os trabalhadores reivindicam melhores condições de trabalho e aumento salarial, onde o capitalista vai tentar a todo custo vencer o trabalhador. Marx afirma que o capitalista proprietário, pode viver mais tempo sem o trabalhador, porque este é proprietário de fábricas, por exemplo, e o trabalhador por outro lado, só tem sua força física para poder sobreviver, então o trabalhador é forçado a vender a sua força de trabalho para poder receber um salário e realizar o sustento de sua família.
Na sociedade capitalista, o capital é trabalho acumulado, bem como é um trabalho que tem uma divisão social extremamente racional para que cada trabalhador possa desenvolver uma função dentro da fábrica. “Com esta divisão do trabalho, por um lado, e o acumulo de capitais, por outro, o trabalhador torna-se sempre mais puramente dependente do trabalho, e de um trabalho determinado, muito unilateral, máquina” (Marx, 2004, p. 26). Essa dependência do trabalhador em relação ao trabalho é fruto do desenvolvimento do capitalismo e da própria forma de organização do mesmo, que vai ao longo da história realizar investimentos em tecnologia e fazer com que o trabalhador se torne cada vez mais dependente do trabalho e conseqüentemente da máquina.
Por outro lado, “mesmo na situação de sociedade que é mais favorável ao trabalhador, a conseqüência necessária para ele é, portanto, sobretrabalho e morte prematura, descer à condição de máquina, de servo do capital que se acumula perigosamente diante dele, nova concorrência, morte por fome ou mendicidade de uma parte dos trabalhadores” (Marx, 2004, p. 27). Na sociedade do trabalho, resta ao trabalhador, trabalhar para poder manter sua sobrevivência, o trabalho da forma que a sociedade capitalista estabelece, não é nada bom para o trabalhador, pois este é forçado ao trabalho, pois o trabalho pode levar o homem a morte prematura como o próprio Marx afirma, essa morte depende das condições de trabalho que este trabalhador está enfrentando, pois este se torna a partir dessas relações uma máquina e ao mesmo tempo que esta mesma sociedade capitalista, vai jogar parte desses trabalhadores em um tipo de vida hostil em relação ao consumo e ao próprio trabalho, pois nem todos irão encontrar trabalho, pois a sociedade capitalista tem por base a concorrência e a competição entre os trabalhadores, que devem segundo Marx buscar formas de contestação e transformar a sociedade.
Segundo Marx, a relação entre trabalhador e capitalista, há ainda que observar que a elevação do salário é mais do que compensada, para o capitalista, pela redução da quantidade de tempo de trabalho, e que a elevação do salário e o aumento do juro do capital atuam sobre o preço das mercadorias como juro simples e composto. Desta forma podemos afirmar que não é interessante para o trabalhador lutar por simples aumento de salário ou até mesmo diminuir sua quantidade de tempo de trabalho, pois na lógica capitalista o patrão dono de fábrica vai sair sempre no lucro, pois o preço da mercadoria vai aumentar.
“Enquanto a divisão do trabalho eleva a força produtiva do trabalho, a riqueza e o aprimoramento da sociedade, ela empobrece o trabalhador até [a condição de] máquina. Enquanto o trabalho suscita o acúmulo de capitais e, com isso, o progressivo bem-estar da sociedade, a divisão do trabalho mantém o trabalhador sempre mais dependente do capitalista, levo-o a maior concorrência, impele-o à caça da sobreprodução, que é seguida por uma correspondente queda de intensidade” (Marx, 2004, p. 29).
Na prática a divisão social do trabalho, desenvolve uma produção de mercadorias, pois essa divisão acaba sendo organizada para esse fim, que é uma produção maior de mercadorias, aumentando assim, a riqueza dos capitalistas e o próprio aprimoramento da sociedade, o mais estranho dessa relação é que quem produziu essas mercadorias continua pobre e quanto mais mercadorias esses trabalhadores produzem, mais pobres eles ficam, isto quer dizer que as mercadorias que são produzidas pelo trabalhador não pertence a ele. Nessa sociedade do trabalho o trabalhador vive em uma condição de máquina. O trabalho humano produz riquezas para a sociedade (capitalistas) e o trabalhador cada vez mais fica dependente do capitalista, levando a uma concorrência entre os próprios trabalhadores que não deveria ocorrer, pois se os trabalhadores concorrem entre sim, estes facilitam a vida dos capitalistas no sentido de explorá-los.
Desta forma a economia nacional ou burguesa, tem no trabalhador a fonte de riquezas da sociedade. “Mas a economia nacional conhece o trabalhador apenas como animal de trabalho, como uma besta reduzida às mais estritas necessidades corporais” (Marx, 2004, p. 31). O trabalho da forma que é colocado para o trabalhador, somente como fonte de riqueza para o capitalista, vai cada vez mais fortalecer a economia nacional e desumanizar o próprio trabalhador, que normalmente trabalha em condições desumanas, quanto às necessidades humanas, estas vão além de simples necessidades corporais, pois estes precisam de cultura, lazer etc, para que possam desenvolver melhor suas potencialidades enquanto ser humano, fato este que nas relações de trabalho os trabalhadores vão se alienando e perdendo essas potencialidades.
Enquanto, a economia nacional considera o trabalho humano algo abstrato como uma coisa, Marx analisa o trabalho como sendo uma mercadoria que é vendida como qualquer outra, pois o trabalhador assalariado no sistema capitalista não tem outra opção a não ser trabalhar para receber um salário que nem sempre é justo. “O trabalhador não está defronte àquele que o emprega na posição de um livre vendedor... o capitalista é sempre livre para empregar o trabalho, e o trabalhador é sempre forçado a vendê-lo. (Marx, 2004, p. 36). Desta forma percebemos que na realidade existe uma relação entre indivíduos e mais ainda que é uma relação desigual, onde a liberdade reina somente para um desses indivíduos, que é o patrão, como fica evidente o trabalhador e forçado a vender sua forma de trabalho.
O próprio trabalho segundo Marx se torna um objeto, onde o trabalhador só pode se apossar com os maiores esforços e com as mais extraordinárias interrupções. “A apropriação do objeto tanto aparece como estranhamento que, quanto mais objetos o trabalhador produz, tanto menos pode possuir e tanto mais fica sob o domínio do seu produto, do capital” (Marx, 2004, p. 81). Mesmo sendo um produtor de mercadorias e diversos objetos que são utilizados na sociedade, grande parte dos objetos produzidos pelo trabalhador se torna algo estranho para sua vida, pois estes objetos não lhe pertencem, nem como propriedade e nem como mercadoria, pois seu dinheiro não é suficiente para esse fim.
“O estranhamento do trabalho em seu objeto se expressa, pelas leis nacional-econômicas, em que quanto mais o trabalhador produz, menos tem para consumir; que quanto mais valores cria, mais sem-valor e indigno ele se torna; quanto mais bem formado o seu produto, tanto mais deformado ele fica; quanto mais civilizado seu objeto, mias bárbaro o trabalhador; que quanto mais poderoso o trabalho, mais impotente o trabalhador se torna; quanto mais rico de espírito o trabalho, mais pobre de espírito e servo da natureza se torna o trabalhador” (Marx, 2004, p. 82).
As leis e a organização da economia nacional levam ao estranhamento do trabalhador em relação ao que ele está produzindo, que são objetos que tem um determinado valor no mercado, só que tais objetos o trabalhador não consegue comprar, na lógica capitalista e que é apontado acima em diversos aspectos, o fruto do trabalho humano não pertence a quem produziu, gerando uma série de conseqüências ao próprio trabalhador, a alienação é uma delas. Marx afirma que o trabalho produz maravilhas para os ricos, mas produz privações para o trabalhador. Produz palácios, mas cavernas para o trabalhador. Produz beleza, mas deformação para o trabalhador. O trabalhador na sociedade capitalista trabalha 10 ou 12 horas diariamente e não consegue sequer comprar uma moradia por outro lado o burguês desfruta de seus palácios, fruto da exploração do trabalho alheio, por outro lado a vida não é nada bela e feliz para o trabalhador, pois como o próprio Marx coloca o trabalho desumaniza o homem.
As relações de trabalho na sociedade capitalista são fundamentais para a manutenção desta mesma sociedade e o aprofundamento da exploração da classe trabalhadora. Para superar essa dominação e exploração o trabalhador deve ser organizar coletivamente e lutar em busca de superar essa situação. Marx propõe uma transformação social total Marx & Engels (2008) e Marx (1999). A proposta dos autores que tem por base a luta entre as classes sociais é a supressão das próprias classes sociais, pois segundo os autores, somente o proletariado organizado é capaz de enfrentar a burguesia enquanto classe social.
Outra obra importante escrita em conjunto com Engels, Marx desenvolve uma análise da filosofia alemã desde Hegel, passando pela esquerda hegeliana, ou seja, os seguidores da filosofia de Hegel. Marx não foi um seguidor fiel da filosofia hegeliana, ele vai propor uma crítica a filosofia de Hegel, apesar de utilizar alguns conceitos. O conjunto da obra de Marx tinha um objetivo, que era a transformação social do conjunto da sociedade em sua totalidade, é por isso que ele vai afirmar que somente partindo da perspectiva do proletariado é que podemos ter uma visão sistemática e transformadora da realidade social.
A premissa que os autores partem em A Ideologia Alemã, não é de uma filosofia do espírito absoluto, mas da premissa de que toda história humana é a existência de indivíduos humanos vivos, desta forma, segundo eles, devemos partir da terra para o céu e não do céu para a terra. Para Marx & Engels, devemos analisar os indivíduos, como eles são como seres, depende das condições materiais de sua produção.
A questão do ser e da consciência em A Ideologia Alemã é um ponto central, pois não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida real que determina a consciência, desta forma o ser social é o ser consciente de suas ações sociais e inserido em um contexto mais amplo que é o da classe social.
“É na práxis que o ser humano tem de provar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno de seu pensar” (Marx & Engels, 2007, p. 27). É preciso partir de uma perspectiva da realidade concreta e não de teorias metafísicas e especulativas. Segundo os autores, os homens sempre estabeleceram noções erradas acerca de si mesmos e daquilo que eles são ou devem ser.
Os autores partem de uma perspectiva histórica para analisar a filosofia alemã, as formas de propriedades, a divisão social do trabalho e a própria ação do homem e a perspectiva do homem coletivo transformar a sociedade.
“A produção de idéias, das representações, da consciência é, ao princípio, entrelaçada sem mediações com a atividade material e o intercambio material dos homens, a linguagem da vida real” (Marx & Engels, 2007, p. 48). Ou seja, são atividades que não estão fora do conjunto da sociedade, pois estas são fruto da ação do homem, o homem tem interesses e busca defendê-lo de qualquer forma.
“Os homens são os produtores de suas representações, idéias e assim por diante, mas apenas os homens reais e ativos, conforme são condicionados através de um desenvolvimento determinado de suas forças de produção e pela circulação correspondente às mesmas, até chegar a suas formações mais distantes. A consciência não pode ser jamais algo diferente do que o ser








BIBLIOGRAFIA.
MARX, Karl. O Capital. São Paulo, Nova Cultural, 1999. Vol. I.
MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. São Paulo, Boitempo, 2004.
MARX, Karl & ENGELS, Fredrich. A Ideologia Alemã. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2007.
MARX, Karl & ENGELS, Fredrich. O Manifesto do Partido Comunista. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1998.



[1] Aluno do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Goiás (UFG).

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