O
século XX possibilitou uma série de mudanças sociais, políticas, econômicas e
culturais. Quando falamos da sociedade brasileira, temos o processo de
industrialização e a própria população do campo vindo morar nos grandes centros
urbanos do país que estavam se formando, como: Rio de Janeiro, São Paulo etc.,
possibilitando assim, uma produção cultural mais intensa nesses novos centros
urbanos, ao mesmo tempo o desenvolvimento de um mercado de bens culturais.
A proposta do nosso artigo é
desenvolver uma análise sobre a formação desse mercado de bens culturais no
Brasil em um contexto específico que é o da ditadura militar, período marcante
no que se refere à produção cultural no país.
O ponto de partida para nossa
análise são as obras de Ortiz (1985); Adorno & Horkheimer (1985); e Ortiz
(1994). São autores fundamentais para entendermos a produção cultural tanto em
países de economia desenvolvida como em países da periferia do capitalismo como
é o caso do Brasil. Assim, torna-se importante entender a formação desse
mercado de bens culturais a partir da ação do Estado Militar que vai apoiar
alguns grupos ou movimentos musicais e negar ou perseguir outros que produziam
uma cultura diferente da proposta do Estado Militar, ou até mesmo, uma produção
cultural crítica que contestava as autoridades militares da época.
Para Ortiz (1994) a consolidação de
um mercado cultural somente se dá entre nós a partir de meados dos anos de
1960, o que nos permite comparar duas situações, uma relativa às décadas de 40
e 50, outra referente ao final dos anos 60 e início dos anos 70. Obviamente que
já existiam pressupostos desse mercado que se formou no Brasil nos anos 60, mas
é somente com o advento da ditadura militar no país que podemos falar de um
mercado de bens culturais no Brasil.
Grande parte dos estudos sobre
indústria cultural trabalham principalmente a questão econômica, fato este que
demonstra certa limitação no entendimento desse fenômeno. O nosso objetivo é
trazer outros elementos, como a questão estética, ideológica, burocrática, pois
a indústria cultural nos possibilita entender diversos aspectos como os citados
acima, esta é uma indústria que se organiza da mesma forma que indústria
capitalista, ou seja, esta produz mercadorias que são levadas ao mercado para
ser vendidas e a obtenção de lucro é o seu principal objetivo. Uma relação
presente é a da mais valia absoluta e relativa na produção de bens culturais,
essa perspectiva de pesquisa é apontada por Marx (1999), onde o autor
desenvolve uma análise crítica da mercadoria e suas formas e do próprio
fetichismo dessa mesma mercadoria.
Os autores da Escola de Frankfurt
utilizam alguns conceitos da obra de Marx, como os de ideologia e alienação, e
é com esses autores que temos o início dos estudos sobre a indústria cultural
no Brasil.
Ortiz argumenta sobre a análise dos
frankfurtianos e coloca que:
“Sugestivamente, é
através da Escola de Frankfurt que a discussão sobre a sociedade e a cultura de
massa se inicia nessas revistas, como se nesse momento de consolidação da
indústria cultural no Brasil alguns intelectuais sentissem a necessidade de
buscar outras teorias para entender melhor a nova realidade Brasileira” (Ortiz,
1994, p. 15).
As revistas que o autor se refere,
eram revistas que começaram a partir de meados dos anos 60 fazer uma discussão
teórico-metodológica em relação à indústria cultural e a cultura de massa,
mesmo que de forma incipiente, alguns autores como Ferreira Gullar começam a
discutir sobre o tema. A partir da necessidade desses autores em entender essa
nova realidade brasileira, é que eles irão sistematizar conceitos sobre a
cultura de massa no Brasil e utilizando a teoria crítica da sociedade dos
autores da Escola de Frankfurt. Freitag (1986) tem um estudo sobre a história e
a posição desses intelectuais em relação à indústria cultural. Os estudos
culturais, principalmente sobre o fenômeno da indústria cultural no Brasil, só
começam a acontecer de fato nos anos 60 e neste caso, como a questão da obra de
Adorno explicar a realidade brasileira ou não.
“Conhecemos a análise dos
frankfurtianos que mostram como esta autonomia, que eles pensam como espaço da
liberdade, é pouco a pouco invadida pela racionalidade da sociedade industrial”
(Ortiz, 1994, p. 22). Na prática, toda produção cultural a partir da ótica da
indústria cultural, esta tem sua autonomia restrita, a sua própria liberdade
vai perder o sentido, essa racionalidade da sociedade industrial que o autor se
refere acontece com a própria forma que a indústria cultural se organiza para
poder produzir e vender seus produtos, basta observarmos a questão da
organização administrativa e burocrática da indústria cultural que acontece nos
dias atuais, não só no Brasil, mas em todo mundo, que é administrado no sentido
de uma burocracia técnica.
Cabe ressaltar que: “é nas grandes
cidades que floresce este mundo moderno; a questão é conhecermos como ele se
estrutura, e em que medida determina parâmetros novos para a problemática da
cultura” (Ortiz, 1994, p. 39). Basta observarmos a análise de Adorno (1985);
Marcuse (1968) no que tange a sociedade industrial e sua forma de organização,
ou seja, uma burocracia racional e uma sociedade com seus produtos culturais
massificados, mas nem sempre a massificação ocorre como a indústria cultural e
sua burocracia deseja, temos sempre o elemento novo e contestador, tanto
individual como coletivo.
Até os anos de 1950, como é colocado
por Ortiz, era difícil a aplicação do conceito de indústria cultural de Adorno
& Horkheimer, ele argumenta que:
“Seria difícil aplicar
à sociedade brasileira deste período o conceito de indústria cultural
introduzido por Adorno & Horkheimer. Evidentemente as empresas culturais
existentes buscavam expandir suas bases materiais, mas os obstáculos que se
interpunham ao desenvolvimento do capitalismo brasileiro colocavam limites
concretos para o crescimento de uma cultura popular de massa. Faltavam a elas
um traço característico das indústrias da cultura, o caráter integrador” (Ortiz,
1994, p. 48).
De
fato, seria anacrônico aplicar um conceito que é utilizado para explicar
sociedades desenvolvidas e com uma cultura de massa já caracterizada,
diferentemente do Brasil, que neste contexto histórico, estava iniciando a sua
produção e não contava com uma produção cultural em massa, esta se encontra em
sua expansão inicial, mas é com o desenvolvimento do capitalismo brasileiro nos
anos 60 e o caráter integrador, é que de fato temos uma cultura de massa no
Brasil
Para Ortiz, como a indústria
cultural é incipiente, toda discussão sobre a integração nacional se concentra
no Estado, que em princípio deteria o poder e a vontade política para a
transformação da sociedade Brasileira. Nos anos 60 quando temos na realidade
uma cultura popular massificada no Brasil, essa cultura vai ser produzida
principalmente por empresas que estavam ligadas ou eram financiadas diretamente
pelo Estado brasileiro, que tinha por base o autoritarismo e a violência contra
as classes sociais, principalmente aquelas que se mostravam descontentes e
contestavam a autoridade estatal, mas alguns grupos conseguiam produzir no
interior dessa mesma sociedade, algo diferente e que de alguma forma contestava
o Estado Militar, como podemos observar na música, cinema, revistas, jornais,
radio etc., mesmo que o Estado não tinha interesses nestas produções. O Estado
na realidade tinha como interesse vincular mensagens e uma produção cultural
que defendesse seus interesses, como é o caso da do surgimento da TV GLOBO e do
movimento musical da jovem guarda e seus rifs de rock quadrada como é colocado
por Napolitano (2001), este autor desenvolve uma crítica a esse movimento
musical.
Segundo Ortiz, o historiador da
cultura que um dia tiver a oportunidade de se debruçar sobre o período que vai
de 1945 a
1964 decididamente não deixará de notar que se trata de um momento de grande
efervescência e de criatividade cultural. Não só o historiador, mas qualquer
outro pesquisador no campo da produção cultural irá observar este fato que não
deixa de ser interessante como forma de reflexão da cultura brasileira, este
momento, como podemos observar é um período anterior a formação da indústria
cultural no Brasil, isto demonstra que a produção artística tem maior autonomia
fora do mundo técnico e administrado pela indústria cultural, basta observarmos
a produção cultural a partir de 1964 que mesmo com uma posição diferente, passa
a ter seus limites, censura etc.
“O presente técnico
ainda indeterminado, nós o possuímos em demasia. Este ponto
ficou claro em nossa discussão sobre a precariedade da indústria cultural e a
incipiência da sociedade de consumo. Incipiência que permite aos grupos
talentosos se expressarem inclusive no interior dos chamados meios de
comunicação” (Ortiz, 1994, p. 106)
Essas possibilidades que são
apontadas por Ortiz, são fruto desse presente indeterminado e da própria
precariedade da indústria cultural que vai está se formando e ainda não ter uma
sociedade de consumo como é o caso dos Estados Unidos e alguns países da Europa,
isto vai possibilitar que alguns grupos com uma perspectiva artística
diferente, possa se apresentar nos meios de comunicação de massa. Podemos
afirmar que no início do Estado Militar no Brasil, este vai reprimir os
diversos movimentos sociais, sindicatos etc., só para depois do AI-5 começar
sua repressão contra os movimentos culturais. Mesmo assim, irão existir
movimentos culturais que desenvolvem críticas tanto à indústria cultural quanto
à lógica do Estado Militar.
Ortiz diz que essas novas
tecnologias como o radio, o cinema, a televisão, discos, abriram perspectivas
para experiências às mais diversas possíveis, e neste momento que a chamada
indústria cultural vai se fortalecer no Brasil, tendo todo um conjunto que
expressa essa realidade, tal como expressa a perspectiva de Adorno &
Horkheimer (1985), ao tratar da indústria cultural como um conjunto de
elementos tecnológicos.
É interessante notar que para Ortiz
(1994), é impossível compreendermos a década de 50 e parte da de 60 sem
levarmos em consideração este sentimento de esperança e a profunda convicção de
seus participantes de estarem vivendo um momento particular da história
brasileira.
Concluímos nossas reflexões
colocando que a década de 1960 é fundamental para a consolidação de uma
indústria de bens culturais e um mercado consumidor, e que vai possibilitar o
surgimento de uma série de produtos para satisfazer as necessidades dos
diversos grupos e classes sociais. A nossa perspectiva aponta para uma análise
sobre a indústria cultural e seus produtos a partir da contradição.
BIBLIOGRAFIA.
ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de
Janeiro, Jorge Zahar Editores, 1985.
FREITAG, Bárbara. Teoria
Crítica Ontem e Hoje. São Paulo, Brasiliense, 1986.
MARCUSE. Herbert. A
Ideologia da Sociedade Industrial. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editores,
1968.
MARX, Karl. O
Capital. São Paulo, Abril Cultural, 1999. Vol. I.
NAPOLITANO. Marcos.
História e Música. Belo Horizonte, Autêntica, 2001.
ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo, Brasiliense,
1985.
ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira: Cultura Brasileira e Indústria Cultural.
São Paulo, Brasiliense, 1994.
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